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A COMPLEXA POSIÇÃO DO ANALISTA NAS RESISTÊNCIAS TRANSFERENCIAIS E A TÉCNICA DA ABSTINÊNCIA

Por Denise Maia

O primeiro contato com o paciente vai formar o contrato analítico quando serão definidas as principais bases do trabalho terapêutico sendo expostas as responsabilidades do par analítico. São postuladas quatro regras da psicanálise: a associação livre (regra fundamental), a Regra de Abstinência, da Neutralidade e da Atenção Flutuante.

Freud tratou do assunto em seus estudos e desde então surgiram muitos artigos sobre a importância das transferências clínicas bem como das neuroses de transferência como elementos vitais para a pesquisa psicanalítica, sem o que não seria viável a continuidade da mesma. Ressaltadas como totalmente complexa a posição do analista na lida das situações clínicas; exigindo dele técnica e autoanálise para transpor tais dificuldades tanto nas transferências quanto nas contratransferências.

Uma das técnicas expostas é a Abstinência. Conduta que deve o analista ter para com o paciente, na medida que este encontre menos satisfação substitutiva para com os seus sintomas, o que implica ao analista a recusa a satisfazer desejos ou cumprir papéis a que o paciente “tenta” lhe impor no par analítico.

O analista se abstém de qualquer tipo de atividade que não seja a interpretativa, principalmente atitudes que envolvam gratificações externas, sexual ou social. Sua vida privada deve ser sigilosa. Com atitude firme e coerente; observa se a curiosidade do paciente é patológica ou trata-se de conduta educada e gentil.

Junto com a abstinência temos a Regra da Neutralidade; nas manifestações transferenciais a conduta é “não entrar no jogo do paciente” não se envolver afetivamente. Freud fala de um comportamento do analista como que diante de um espelho o qual reflete de volta ao paciente as palavras deste, sem atribuir qualquer valor ou sentimento.

Embora as teorias e técnicas psicanalíticas orientem e ajudem ao analista a se posicionar quanto profissional, é inegável que seu trabalho se mistura no seu inconsciente ficando muito difícil não admitir conflitos com os pacientes e a dificuldade de desvincular do trabalho realizado com ele.

 

Trabalhar somente baseado nas teorias psicanalíticas e suas técnicas objetivas com a ausência de subjetividade. O foco na transferência e na ação do inconsciente do analista prevaricou a técnica psicanalítica. O aparecimento do recalque e seu efeito no sintoma, percebido através da escuta do analista, provoca a ação do analista, o que o tira da neutralidade, por ter de provocar a suspensão do recalque. A abstinência de seu desejo não é uma renúncia moralista, mas sim uma neutralidade em não tomar partido do conflito inconsciente.

 

 

Durante o tratamento, o analista é ativo não só por sua atitude atenta e compreensiva, não só pela interpretação das resistências e do material recalcado, mas inclusive também pela aplicação da Regra de Abstinência.

Segundo Freud, o inconsciente do analista irá reconstruir o inconsciente, a partir do comunicado transmitido pelo paciente pelas associações. O analista não pode oferecer resistência, seguindo a regra da associação livre e atenção flutuante para evitar escolher o que escutar. Por isso se faz essencial a sua análise com profissional.

 

Freud também orienta sobre como intervir sob condição de que o paciente já tenha apontado parte do material reprimido e, já estabeleceu a transferência do par analítico para garantir o prosseguimento do tratamento evitando sua evasão.

Freud fala sobre o tato do analista em relação ao material analisado, mas isso é muito indefinível e pode pender a um poder arbitrário do terapeuta. Assim o trabalho do analista fica amarrado a regras técnicas o que pode inviabilizar o trabalho em si ou se confia no tato analítico. Freud aponta sobre o uso pelo analista dos mecanismos de defesa que o desviariam de si mesmo e das vicissitudes do ofício. Defende que os males do processo a que o par analítico está sujeito deve ser remediado com a proteção do analista pelo seu próprio tratamento a cada cinco anos.

Os estudos das teorias psicanalíticas que se perdem em idealismos não devem suplantar o seu fim que é a prática clínica; levando o analista a uma alienação frente a sua atividade.

De certo que o trabalho do analista seja passível de teorização e coerente a supostas verdades objetivas. Por outro lado, deixar toda a complexidade do trato clínico a cargo do inconsciente do analista, por mais que seja analisado, pode ser uma solução precária ou arriscada.

A resistência em admitir a técnica juntamente com as teorias psicanalíticas no ambiente clínico tentam manter um ideal de pureza analítica que na verdade não existe devido a todas as evidências que já foram ponderadas.

Muitas orientações teóricas da psicologia clínica são criticadas por simplificar e reduzir exageradamente um objeto para poder estudá-lo e mensurá-lo. Talvez muitos analistas se vejam obrigados a algo parecido quando não admitem, por exemplo, que por mais que busquem não desejar o bem-estar do paciente, não estão oferecendo um tratamento psicanalítico pensando claramente que sua vida não melhorará devido ao tratamento.

Os trabalhos de Freud, “Os Escritos Técnicos de Freud” e “Os Novos Rumos da Terapêutica Psicanalítica”, trazem o dilema contemporâneo sobre os excessos no âmbito da psicanálise quanto a gratificações ou frustações durante o processo analítico. Teorias mais normativas e moralizadoras se confrontavam. Freud reafirmou sua posição de “combinar a análise com uma espécie de influência educativa”. Afirma que o analista é ativo em duas tarefas essenciais: tornar consciente o material recalcado e descobrir as resistências. E afirma que o tratamento deve ser conduzido numa atmosfera de privação e abstinência, sem contudo, haver reprovação de satisfações nem abstinência sexual, mas sim “algo que tem muito mais a ver com as dinâmicas da doença e da cura”. O adoecer do paciente se dá pela sua frustação sendo este sintoma uma gratificação substitutiva. Pode ocorrer que a cada melhora, reduza a velocidade da próxima cura bem como diminua a energia pulsional dificultando o prosseguimento do processo. Portanto o grau de melhora deve ser paulatino sem que seja prematuro. A cada sintoma desvelado e diminuída sua carga libidinal que se faça uma privação severa sobre outro ponto sensível a ser tratado.

Fazemos um panorama do processo clínico e as aplicações da Regra de Abstinência:

1) ao desaparecimento de um sintoma, na sua vida cotidiana, o paciente faz um descolamento buscando novas satisfações substitutivas perdendo energia necessária para o prosseguimento do tratamento o que pode levar a uma evasão. No caso de gratificação da culpa e necessidade de punição levará o paciente neurótico continuará preso a sua neurose;

2) é na relação transferencial que se dá a busca dos desejos das satisfações substitutivas cabendo ao analista manter esses desejos severamente insatisfeitos. A abstinência permite o aprofundamento da dinâmica analítica e da própria transferência;

3) o analista é ativo em sua atitude atenta e compreensiva, na interpretação das resistências e do material recalcado e na aplicação da Regra da Abstinência;

4) a frustação é fruto do uso da Regra da Abstinência. Freud afirma que é semelhante a frustação originária da própria doença bem como a neurose de transferência é semelhante aos sintomas neuróticos numa relação dinâmica entre o uso da regra e o surgimento da neurose de transferência.

Sobre a neutralidade, não se deve leva-la ao pé da letra. O analista não deve ser um expectador do sofrimento alheio como um sujeito sem empatia, afeição, generosidade ou até mesmo educação, deixando o paciente numa solidão clínica, agravado pelo silêncio bilateral, num exagero no uso da norma.

Segundo Freud, o analista deve evitar o sofrimento desnecessário do paciente. Deixar o paciente preso a uma questão menor por muito tempo prejudica o cerne objetivo do caso. Todo material deve ser investigado, mas desde que não impossibilite o fluxo das cadeias associativas.

Comentários secundários do paciente referentes a pessoa do analista nem sempre serão interpretados como de cunho transferencial. De certo que o processo analítico progride no eixo transferencial, mas há a que ter a perspicácia para não considerar qualquer comentário como tal. Tudo dever analisado e dependerá exatamente do cuidado do profissional durante todo o processo. Assim, a atividade do analista bem como a Regra de Abstinência deve ser utilizada num meio-termo coerente, lógico, com bom senso, muito estudo teórico e técnico, supervisão e re-análise pessoal do analista a fim de que não prejudique todo o trabalho.

Os estudos das teorias psicanalíticas que se perdem em idealismos não devem suplantar o seu fim que é a prática clínica; levando o analista a uma alienação frente a sua atividade.

De certo que o trabalho do analista seja passível de teorização e coerente a supostas verdades objetivas. Por outro lado deixar toda a complexidade do trato clínico a cargo do inconsciente do analista, por mais que seja analisado, pode ser uma solução precária ou arriscada.

A resistência em admitir a técnica juntamente com as teorias psicanalíticas no ambiente clínico tenta manter um ideal de pureza analítica que na verdade não existe devido a todas as evidências que já foram ponderadas.

Reduzir ou tentar simplificar o objeto psíquico com o fim de estuda-lo ou mensurá-lo parecer ser como colocar em uma caixa um vasto universo clínico.

Por mais que analistas procurem não desejar o bem-estar do paciente é como não admitir que o tratamento terá êxito.

O desafio necessário é expor mais o assunto sobre as dificuldades da prática clínica sem o peso e idealismos teóricos com honestidade e profissionalismo.

Os esforços na implantação de uma clínica psicanalítica pura e ideal na verdade tem levado há uma falta de compreensão e a um silêncio sobre sua complexidade.

Debates, simpósios, novas teorizações, nada ainda trouxe de arroubo que modificasse os ensinamentos freudianos no sentido de que o melhor caminho são os estudos acadêmicos, uso das técnicas e a análise periódica do psicanalista para que encontre a sua maestria na profissão.

FONTES DE CONSULTA:

1 – artigo: Os Conceitos de Atividade e a Regra de Abstinência – Tovar Tomaselli - Sob a Lente da Psicanálise

2 – site Direto da Academia – artigo: As Quatro Regras Fundamentais da Psicanálise – Falco & Ricci

 

2 – site P@psic – artigo: A posição do analista: Impasses e Alternativas, Paulo Padilla Petry

 

4 – site ResearchGate - artigo: Neutralidade e Abstinência Ontem e Hoje – Luciane Falcão

5 – site Scielo – artigo: A Noção de Objeto na Psicanálise Freudiana - Nelson Ernesto Coelho Jr.

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