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REAÇÃO TERAPÊUTICA NEGATIVA - RTN - A negação da cura

- Piora do cliente, remédios têm de ser trocados, surgimentos de novos sintomas, nada dá certo...

Por Denise Maia

         

Fenômeno clínico comumente detectado nas sessões terapêuticas (inclusive se reflete em tratamentos médicos) que apesar dos progressos conquistados o analisado em certa fase fica apegado à sua neurose. Pode ocorrer quando o analista elogia o bom desenvolvimento terapêutico do analisado e em consequência há um agravamento do quadro clínico.

 A RTN é um tipo de resistência do paciente às interpretações do analista devido à recusa e à negação do autoconhecimento; em consequência há um agravamento da situação clínica que pode levar a uma compulsão, à repetição ou acting out*. O progresso da análise fica interrompido devido à resistência à cura com agravamento de sintomas pelo esforço inconsciente de apegar-se ao sofrimento. Há o retorno do que estava recalcado, a causa da neurose. Ocorre a inversão no sentimento do indivíduo, ele não sente culpa, sente-se doente e não prefere a cura, mas a manutenção do sofrimento por necessidade de castigo. A RTN está ligada a Pulsão de Morte. Há outras formas de resistências: transferência negativam defesas narcísicas, renuncia em liberta-se das fixações, formação de sintomas graves, etc.

Freud identifica o fenômeno com a existência de um sentimento de culpa inconsciente inerente a estruturas masoquistas, a necessidade de punição explicado pela Pulsão de Morte, pelo apego ao desprazer, compulsão às repetições. Conhecidas como manifestações resistências.

A RTN funciona como uma força de resistência “à cura especialmente difícil de superar”. Quando se espera um bom progresso das sessões, dá-se o agravamento, demonstrando que o analisado preferiu o sofrimento em lugar da cura.

O estado do paciente, ao invés de melhorar, parece agravar-se ou então o paciente se aferra à doença. Fica descartada a possibilidade de fracasso do processo analítico bem como afirmar que o indivíduo pertence a um tipo impossível de ser analisado ou desacreditar do trabalho do próprio analista. A que se rever o campo transferencial e contratransferencial.

Freud pondera sobre pessoas que sucumbem após verem seus desejos concretizados, não suportam a realização de seus desejos evidenciando a relação direta entre o aumento da intensidade de seu sofrimento face o êxito alcançado. Este tipo de caráter está de acordo com a teoria de que as neuroses se constituem e sendo o seu principal elemento o resultado é de frustações. A frustação interna surge quando uma possível frustação externa foi substituída pela realização do desejo. O Ego tolera a fantasia de realização do desejo, mas não sua realização efetiva. Modificações do meio externo que possam tornar o desejo realizado são rechadas violentamente pelo EGO numa defesa contra este meio externo.

O sentimento de culpa, intimamente relacionado ao complexo de Édipo, impede o indivíduo suportar o êxito do desejo realizado. Vale ressaltar que há diferença entre RTN e uma organização psíquica em indivíduos arruinados pelo êxito, esta Freud classifica como um tipo de caráter.

Freud detectou a reação negativa e a compulsão à repetição compreendendo que a reação indicava um modo característico do indivíduo que diante de uma proibição e continua a realizar a atividade para posteriormente acatá-la, promovendo uma tentativa de ser ativo na situação permitindo-se parar a seu próprio tempo para não acatar a autoridade de outrem. Há cada solução encontrada há um contradizer o efeito, agravando o sintoma já elucidado. Como crianças repreendidas por excesso de barulho, antes de cessar, o repetem com mais violência, para somente parar aparentemente por vontade própria desobedecendo a proibição temporariamente. Neste interstício dá-se o agravamento dos sintomas os quais já estariam elucidados. É o que ocorre com alguns indivíduos, excluídas as considerações quanto à rebeldia contra o analista e um desejo de superioridade, conclui-se que há uma reação inversa à cura.

Esses indivíduos permanecem apegados as suas neuroses pela necessidade de continuar sofrendo. Freud antes de formalizar o conceito de RTN já havia detectado formas de resistência ao tratamento como a transferência de rivalidade contra o analista e o ganho secundário da neurose; sendo base de diferencial entre a RTN; além do fechamento narcísico que repele o par analítico.

O processo psíquico tem fundamento no inconsciente da , portanto o indivíduo não pode se curar, permanecendo fixado à neurose. Por se inconsciente, ele não se sente culpado e fica apegado a sua organização e economia psíquica. Descobrir as raízes dessa culpa trazendo ao consciente será a solução. Nos casos de introjeção desse sentimento inconsciente a um determinado objeto, em um modelo como na melancolia, deve-se analisar a natureza dessa identificação. Caso não encontre indícios desse processo identificatório, o tratamento terapêutico dependerá da intensidade do sentimento inconsciente da culpa. O analista irá buscar sinais de uma antiga relação amorosa com os objetos primordiais para reconstruir essa relação.

Apesar do masoquismo erógeno estar na base de outras formas de masoquismo, o sentimento de culpa também está presente no masoquismo feminino onde há a necessidade de punição e castigo devido aos desejos edípicos. Freud relaciona a RTN, especificamente, com o masoquismo moral onde há necessidade de punição pelo sentimento de culpa não diferenciando quem o faz sofrer, o que importa é continuar sofrendo. “A satisfação masoquista desse sentimento é um fator decisivo para que o sujeito continue apegado à sua neurose pela necessidade de se manter em sofrimento.” Inclusive poderá buscar esse sofrimento em situações externas que garantirão a continuidade em sua satisfação masoquista.

Em relação ao Superego, Freud enfatiza que caso o sujeito identifique em si o desejo em realizar ato inaceitável, pode sentir-se culpado sem mesmo tê-lo praticado.

Destacam-se duas fontes do sentimento inconsciente de culpa:

 1) o medo da autoridade externa, que resultará em uma renúncia às satisfações pulsionais; e

 2) o medo do superego, como autoridade internalizada. Além de exigir renúncias pulsionais, o superego pune severamente.

O processo psíquico se dá pelo medo de perder o amor dos objetos, faz-se a renúncia à satisfação das pulsões. A renúncia estaria em acordo com a exigência externa e assim não haveria o sentimento de culpa. Mas, para o Superego a renúncia não basta, pois o desejo persiste e não pode ser escondido dessa instância crítica e idealista.

Ressalta-se, na constituição do superego e do sentimento inconsciente de culpa, a origem desse sentimento primordial no complexo de Édipo e na mítica morte do pai da horda.

“No conflito edípico, a criança pode desejar e fantasiar a morte do pai, e sentir-se culpada por isso. Em última instância, em termos de filogênese, todos os seres humanos cometeram esse tipo de ato assassino. Antes de nascermos, já somos culpados.”

A ambivalência entre o remorso pelo ódio e o amor ao pai, onde estamos condenados a sentir culpa – a eterna batalha entre a pulsão de vida e a pulsão de morte.

Do ponto de vista da prática analítica, a maioria dos pacientes não acredita nesse suposto sentimento inconsciente de culpa exatamente por ser um fenômeno inconsciente. Sendo então muito difícil o analisado aceitar essa ambivalência de amor e ódio, consequentemente a culpa e a necessidade da autopunição – cuja fonte é uma parcela de destrutividade internalizada pelo superego. É uma forma de manifestação da pulsão de morte. Na formação do Superego, a parte da hostilidade infantil contra os pais sendo impossível de ser externalizada, continua atuando internamente. A severidade do Superego não se equipara a dos pais, pois está ligada às forças das pulsões da criança. Ainda se considerando a experiência externa da relação dos pais com a criança e suas interdições parentais como fontes para a formação do Superego. Portanto “a constituição do Superego está relacionado com o caráter inato das pulsões, as influências ambientais, com o superego dos pais, e com os ideais narcísicos primários.” Em 1933, Freud afirma a relação entre a RTN e o sentimento inconsciente de culpa excessivamente intenso.

Por vezes basta um elogio quanto ao bom fluir do tratamento ou uma palavra de esperança, para que haja uma intensificação do sintoma e da doença e do sofrimento. Destacamos os possíveis casos de rivalidade edípica, onipotência e/ou ganho secundário da neurose onde também a piora neurótica se acentua. Vale observar que o padrão da RTN é melhora/agravamento. Excluída a possibilidade de agravamento por atualização de um determinado ponto de conflito.

 As resistências acompanharam Freud por todo seu estudo. Em “Inibição, sintomas e angústia”, Freud (1926/2007) apresenta-nos novas contribuições e pistas para o desenvolvimento da psicanálise.

 As resistências são comandadas pelo Ego, o responsável por proteger o aparelho psíquico do desprazer que a recordação de certos eventos traria. Esta postulação é o Modelo baseado nas primeiras tópica e teoria pulsional freudiana. As resistências têm a função de impedir que o recalcado sexual rompa a barreira para o pré-consciente.

Com a postulação da segunda tópica e da segunda teoria pulsional, ficou o impasse de que esse modelo das resistências não conseguiria tratar de toda a complexidade clínica envolvida com as novas instâncias do aparelho psíquico. Freud sugeriu uma solução metapsicológica.

As resistências passam agora a ter três fontes diferentes e cinco formas de expressão:

“1) do Ego: manifestam-se de três formas:

-  transferência (1), 

- ganho secundário da neurose (2)

 - e recalque (3);

2) do Id: trata-se da compulsão à repetição como resistência do inconsciente (4); e

3) do superego: manifesta-se no fenômeno da RTN e na necessidade de punição (5).” A resistência do superego, portanto, é uma das mais destrutivas e nocivas ao processo analítico.

Com base nessas postulações freudianas, identificam-se duas linhas para a compreensão das resistências:

1 – Na primeira tópica: todo fenômeno resistencial nasce no Ego. A localização topográfica não importa, e sim, a dinâmica entre os sistemas (consciente-pré-consciente-inconsciente) (Zimerman, 1999).

2 - Com a segunda tópica: diante da força das resistências, “Freud conjetura que elas não podem ter sua origem apenas no Ego, pois são extremamente violentas e erguem barreiras quase intransponíveis ao trabalho analítico.” Além de considerar de que todo esforço sobre a RTN feita pelo neurótico para apegar-se à neurose não se dê somente devido ao ganho secundário. Com esse modelo estrutural compreende-se a qualidade das relações entre as instâncias – EGO, ID E SUPEREGO e delas com o meio externo. Considerando-se também o impacto clínico da compulsão à repetição e da RTN como resistências do ID e do SUPEREGO.

Essa interação entre a resistência do ID e a resistência do SUPEREGO irá determinar o fracasso analítico (Em Análise terminável e interminável – 1937/2 007). A resistência seria uma força que se defende com todos os meios possíveis contra a cura e que se apega completamente à doença e ao sofrimento. Uma parte dessa força é o sentimento de culpa e a necessidade de punição,  localizada na relação entre o “Ego e o Superego”. Sendo reconhecível por estar na instância do Superego. Mas, a outra parte dessa mesma força, ligada ou livre, pode atuar em outros lugares não especificados, e um deles seria o ID, no conflito interno entre a pulsão de vida e a pulsão de morte, a favor desta última.

“Freud afirma que “(...), não podemos continuar aderidos à crença que os eventos psíquicos são governados exclusivamente pelo desejo de prazer”.

“Estamos situados no terreno da necessidade da repetição do desprazer, relacionada à dinâmica e ao excesso do pulsional em estado bruto (compulsão à repetição), e da necessidade do sofrimento, comandado por um superego cruel e implacável; e, em última instância, ao trabalho silencioso de desligamento, efetuado pela pulsão de morte.”

 

*Acting out, uma breve explicação: não se trata de um ato e sim uma demanda de uma simbolização que se dirige ao outro. A dor da angústia da neurose será simbolizada e significada pela dor.

 

Fontes de consulta:

 

1 – Artigo: Reflexões sobre a reação terapêutica negativa – Revista de Estudos Psicanalísticos – Douglas Rodrigo Pereira e Eva Maria Migliavacca.

www.spbsb.org.br/site/images/Novo_Alter/2014_2015_2016/Reflexoes.pdf

2 – site Pepsic – artigo: Uma reflexão sobre a reação terapêutica negativa – Andre Soares Pereira Avelar. Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle - SPID – Brasil.

3 – Enciclopédia temática Knoow.net – pesquisado: RTN.

4 - NARCISISMO NAS ORGANIZAÇÕES: Formas de investimento pulsional no capitalismo tardio Narcisism at organizations: Pulsional investment manners on late capitalism Amon Narciso de Barros, Carolina Riente de Andradeb, Ludmila de Vasconcelos Machado Guimarães.

5 – Site: Revista Iteração – artigo: Passagem ao ato e Acting out – Breves considerações – Anícia Ewerton.

6 – Site Scielo - artigo: Erotismo versus masoquismo na teoria freudiana www.scielo.br/pdf/pc/v19n2/a03v19n2

7 - Dor, angústia e automutilação em jovens - considerações psicanalíticas Marília Vilhena, Yumnah Zein Costa Prado.

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