
O Psicanalista
por Valdir Veira
O Psicanalista é o profissional que segue a linha teórica da Psicanálise, método desenvolvido por Sigmund Freud, que trata de distúrbios psíquicos a partir da investigação do inconsciente.
O método utilizado é a interpretação da transferência e da resistência com a análise da livre associação de idéias.
Foca na necessidade de tornar consciente o inconsciente, onde estão registradas todas as nossas vivências, programações, traumas e recalques.
Freud, em sua perspicácia, dizia “ não trato adultos, só trato crianças, curada a criança, o adulto fica curado ¨.
Em atendimento à insistência dos parentes, só tratou, em caráter de exceção, o menino Hans, seu sobrinho.
Suponho ser esse entendimento “ tratar a criança ferida ¨, fruto de cerca de dez anos praticando hipnose em seu consultório. É preciso acessar o passado, o momento do fato traumático e ressignificá-lo, para superar transferências e resistências.
É a criança ferida que precisa ser curada e ao entender o fato por outro ângulo, passa a pensar diferente, a sentir diferente e a agir diferente. É a abençoada ressignificação.
O mais importante não é o que fazem com a gente e, sim, o que fazemos com aquilo que fazem com a gente.
Adianta pouco o adulto conhecer o fato, entender o trauma no plano cognitivo, pois a causa da fobia encontra-se chancelada no corpo emocional..
No exato momento do estímulo, do gatilho, quem reage é a criança ferida que emerge do inconsciente e revive emocional e cinestesicamente o momento do trauma e, consequentemente, adota atitudes fóbicas, desarmônicas, devido à energia do recalque e ao seu “ mindset “ reduzido de criança.
A livre associação de idéias é hipnose conversacional, hipnoidal, leve e, portanto, Freud só abandonou a hipnose clássica, direta.
A Psicanálise não é uma profissão regulamentada em nenhum país do mundo. Não existe curso de graduação superior em psicanálise autorizado ou reconhecido pelo MEC.
A CBO 2515 - 50 do Ministério do Trabalho e Emprego reconheceu a ocupação de analista, profissional, que deve ser dotado de educação, amplos conhecimentos gerais, elevados padrões de conduta ética e moral e sólidos conhecimentos de teoria e técnica psicanalítica.
O ideal é que o psicanalista tenha graduação de nível superior, porém, ante a inexistência de lei normatizando a profissão de psicanalista, torna-se discutível a juridicidade dessa eventual exigência, por afrontar o princípio constitucional de que “ ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei “ e de que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações que a lei estabelecer “, na dicção da Constituição Federal, em seu art. 5, incisos II e XIII, respectivamente.
O psicanalista apto a cuidar de vidas é aquele que concluiu a formação com base no tripé formado pela teoria, técnica e clínica psicanalítica.
Seu aperfeiçoamento profissional depende de três pilares sabiamente enunciados por Freud : estudo, prática clínica e ética.
Urge lembrar que a humildade e senso científico recomendam que o psicanalista se submeta a reciclagens temporárias.
Lembro de um fato nos meus muitos anos na condição de analisando, cujo entendimento só decodifiquei vinte anos depois quando da primeira hipnose.
Observo, “ ad argumentandum “, que a evolução humana é assimétrica - somos bons em alguns aspectos, em alguns misteres, e muito frágeis, incompetentes em outros. Ninguém é muito bom em tudo e a todo momento.
Relato a seguinte experiência. Um excelente psicanalista, competente, responsável e humano cometeu, de forma inconsciente no “set “ terapêutico, uma atecnia totalmente ilógica, prejudicial e incompreensível.
Escreveu um livro, aliás, muito bom e que foi elogiado pelo presidente da Associação Psicanalítica de Nova York.
Metaforicamente, qual a diferença entre um ovo de pata, maior e com mais nutrientes, comparada ao ovo de galinha, que, embora menor, tem mais procura ?
A pata põe seu ovo e não se comunica, a galinha faz “ publicidade “ anunciando sua façanha. É uma metáfora.
Compreendo e respeito o autoelogio. A questão está na motivação e no excesso. É positivo, em princípio, na relação analítica, saber que seu analista é um profissional competente. É positivo, motiva e dá segurança.
Ocorre que, por se tratar de análise em grupo, com cerca de treze analisandos, os que chegavam atrasados nas sessões, e foram vários ( mecanismo de defesa, autossabotagem ? ), o analista, em aparente narcisismo, interrompia quem estivesse falando para dar a notícia do elogio.
Aparentemente, seria uma postura egóica e insensível. É possível que tal fato tenha reforçado as resistências de alguns que abandonaram a terapia, embora sabemos que quem quer faz, quem não quer elicia desculpas.
Qual seria a verdade real ? Só quando hipnotizei uma colega no curso de Hipnose Ericksoniana, vinte anos depois, é que entendi o processo inconsciente e a ficha caiu.
No curso, o professor dava a aula teórica, convidava algum aluno que quisesse ser hipnotizado, como exemplo, e dizia para treinarem entre si.
No momento do treino, a colega pediu para ser hipnotizada, pois tinha determinada dificuldade que a incomodava muito - não se mantinha em emprego algum.
Feito o relaxamento, acessou em seu inconsciente um fato traumático quando tinha cerca de quatro anos. Estava na sala de sua casa com seu pai. Cantava e dançava para aquele “ semideus ”, dava o máximo de si, feliz, querendo agradar, ser aceita, admirada, amada pelo seu pai.
Seu avô paterno, conforme me relatou depois, era extremamente exigente, perfeccionista, provavelmente dotado de um superego atrofiado, rígido, castrador.
Há uma certa tendência em repetirmos padrões comportamentais equivocados que nos afetaram na infância.
Há um ditado que diz “ o inferno está cheio de boas intenções “ . O pai dizia para aquela criancinha frágil : “ Está uma droga, uma porcaria, precisa melhorar, etc.” , querendo incentivar. A criança, de alma aberta, dava o máximo de si, estava no seu limite, querendo agradar ao pai e as palavras que ouvia não eram de estímulo, embora fosse essa sua intenção positiva. A baixa autoestima dessa criança se estruturou ou se fortaleceu ali.
Forma-se nesse momento a crença limitante de que para atender às expectativas do pai, ela precisa ser perfeita, mulher maravilha. O problema é que nada que ela fizer vai ser suficiente.
A criança não tem ainda a faculdade crítica estruturada, tudo que ouve entra diretamente no subconsciente, de forma literal, e se torna realidade, verdade. Aliás, o inconsciente não distingue o certo do errado, o real do imaginário, passado, presente e futuro. Para o subconsciente, tudo está no presente e tende a proteger a pessoa, segundo as crenças que registrou.
A criança não está dotada ainda do fator crítico que filtra, é racional , lógico, discricionário e lhe permite separar o joio do trigo, aceitar o que é bom e rejeitar o que é inútil ou negativo.
Cabe ao terapeuta facilitar a criança a enxergar por outro ângulo e entender que o pai a ama e por amá-la deseja que ela seja competente para ser respeitada, valorizada, feliz.
O terapeuta enfatiza que o pai não quer que ela seja perfeita, grau dez ou vinte ou mulher maravilha. Afirma que toda criança entenderia da mesma forma que ela, devido ao modo emocionado e exagerado que seu pai falou. Enfatiza que ele a ama e sabe de seu grande potencial de crescimento, de aprendizado, por isso sua intenção, o que ele quis dizer, é que você estudasse, se aperfeiçoasse com disciplina e afinco sempre, porém sem perfeccionismo.
Felizmente essa colega, na semana seguinte, me relatou que havia feito uma “m “ ( falou por extenso}, um equívoco no trabalho. Ia pedir demissão, como sempre fazia, nessas ocasiões, e de repente aflora o seguinte pensamento na sua mente “ colegas fazem “ m ” maior e não pedem demissão, por que você vai pedir ? O que você fez, se , de forma justa, fosse dada uma nota seria 8 e não 1 como você imaginou.”
O padrão referencial dela era tão alto e irrealista devido à sua baixa autoestima e à necessidade inconsciente de agradar seu pai, que seu mecanismo de defesa seria a desistência do emprego com a racionalização de ser desagradável e sem perspectiva de promoção, o que a protegia de um sofrido confronto de avaliação com seu pai.
O analista havia estudado no Colégio Santo Inácio e certo dia comunicou a seu pai, médico e extremamente rígido que havia tirado dez na escola. Seu pai indagou quantos alunos haviam tirado dez na turma e, ao responder, mais sete, o pai disse então esse fato não tem valor algum. Como se trata de um padrão comportamental do pai, certamente outros fatos semelhantes ocorreram.
Interpreto a atitude aparentemente narcísica do analista ao mencionar várias vezes o elogio ao seu livro como sendo uma tentativa inconsciente de dizer: “ Viu pai como eu sou um bom filho. Alcancei posição de destaque, por isso, não deixe de me amar…. “
Não era, portanto, o adulto que falava e, sim, a criança assustada e ferida, que se manifestava. pedindo reconhecimento, proteção e afeto.
Reafirmo a necessidade do autoconhecimento para evitar recalques e armadilhas várias, como, por exemplo, perfeccionismo ou postura egóica.
É inegável a importância da psicanálise na harmonização e evolução das pessoas, o que torna o psicanalista um escultor de mentes e um instrutor de almas.
O caminho Freud já nos mostrou: estudo - prática clínica e ética.